A
ARTETERAPIA E A JORNADA MITOLÓGICA DO HERÓI: UM OLHAR A MAIS SOBRE O PROCESSO
DE INDIVIDUAÇÃO
Ana
Paula Martins Jucá[1]
Regina
Conceição Ribas Diniz Martins[2]
Danielle
Bittencourt[3]
Resumo
O presente trabalho procura
mostrar uma análise, com base nas etapas da Jornada do Herói, associadas à
teoria junguiana, no que tange ao processo de Individuação e seus arquétipos, a
partir do modelo grupal de avaliação, adotado por um curso de formação
profissional em Arteterapia, em seu estágio supervisionado, com o objetivo de
contribuir para uma compreensão mais profunda do desenvolvimento da psique humana. Esta análise será
ilustrada por um breve relato da trajetória de dois integrantes do grupo, cujas
demandas se entrecruzaram, no setting
arteterapêutico, principalmente, ao longo da etapa de Amplificação da Demanda
do Grupo, quando seus participantes foram convidados a promover a releitura de
um filme. O estágio foi realizado, em uma ONG, ao longo de 10 meses, com um
grupo variando de 14 a 9 componentes, com idades entre 9 e 11 anos e dividido
em três etapas: Identificação da Demanda do Grupo, Amplificação da Demanda do
Grupo e Evolução Final.
Palavras-chave:
arteterapia. trajetória do herói. processo de individuação. avaliação.
Abstract
This paper seeks to show
an analysis based on the Hero's Journey steps associated to the jungian theory
about the individuation process and its archetypes, starting from the group
model evaluation adopted by training course in Art Therapy, at its supervised
practice, in order to contribute to a better understanding of the human psyche development This analysis will be
illustrated by a short report of the path of two members of the group, whose
demands intersected in the art therapeutic setting, mainly along the step of
Group Demand Amplification, when participants were asked to promote the re-reading
of a film. The supervised
practice took place in a NGO,
over 10 months, with a group of fourteen to nine components, aged 9 to 11 years
old, and divided into three steps: Group Demand Identification, Group Demand
Amplification and Final Evolution.
Keywords: art therapy; hero's journey; individuation process;
evaluation.
Résumé
Ce document présente une
analyse basée sur les étapes du Voyage du Héros, associées à la théorie jungienne
du processus d'individuation et de leurs archétypes, à partir du modèle
d’évaluation adopté par un cours de formation professionnelle en art-thérapie,
à son stage supervisé, afin de
contribuer à une meilleure compréhension du développement de la psyché humaine. Cette analyse sera
illustrée par un court dossier de la trajectoire de deux membres du groupe,
dont les exigences ont fait l’intersection dans l’encadrement d’art
thérapeutique, principalement, dans l'étape d’Amplification de la Demande du
Groupe, lorsqu'il a été demandé aux participants de promouvoir la relecture
d'un film. Le stage supervisé a eu lieu dans une ONG, pendant 10 mois, avec un
groupe de quatorze a neuf éléments, âgés de 9 à 11 ans, et divisé en trois
étapes: Identification de la Demande du Groupe, Amplification de la Demande du
Groupe et Evolution Finale.
Mots-clés: art-thérapie, le
voyage du héros, processus d'individuation, évaluation.
INTRODUÇÃO
Diante da riqueza das informações que estávamos conseguindo coletar,
durante as sessões da etapa de estágio, chamada de Amplificação da Demanda do
Grupo, dentro do curso de formação do Centro de Arteterapia de Danielle
Bittencourt, nasceu o desejo por uma extensão e aprofundamento de nossa análise
sobre dois integrantes do grupo, diante de suas grandes dificuldades em torno
da questão do bullying e do trabalho
em equipe.
A fim de imprimirmos um olhar a mais sobre esses dois participantes
– motivo deste artigo – utilizamos
a teoria junguiana relativa, principalmente, aos arquétipos, Persona e Sombra,
aproveitando a análise de seu desenvolvimento vinculado às etapas da Jornada do
Herói de Vogler (1997), utilizadas como norte para a avaliação do grupo, no
estágio, e que contêm os elementos universalmente estruturais dos mitos, contos
de fadas, sonhos e filmes, muito assemelhando-se ao processo de Individuação,
criado por Jung para explicar o desenvolvimento da psique humana.
Acreditamos que o cruzamento das informações sobre as etapas da
Jornada do Herói, em que se encontram os dois integrantes mencionados, e as
observações sobre seus processos de individuação possam ser de grande utilidade
para uma maior compreensão de seus comportamentos agressivos no setting arteterapêutico.
Neste sentido, inicialmente,
apresentaremos o universo do nosso estágio. Após, compartilharemos algumas reflexões sobre a Jornada do Herói e
o processo de individuação. Por fim, exporemos as trajetórias desses dois
membros do grupo sob a ótica já acima descrita, uma vez que elas se
entrecruzaram, ao longo dos trabalhos do grupo.
1. O ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA FORMAÇÃO EM
ARTETERAPIA
1.1 Uma breve descrição
Este trabalho foi elaborado, ao longo do nosso estágio de 10 meses,
pelo Curso de formação profissional do Centro de Arteterapia Danielle
Bittencourt, dentro de uma ONG, na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, com
um grupo, inicialmente, de 14 crianças com idades de 9 a 11 anos.
A nossa proposta de estágio, dentro da metodologia adotada pelo
curso, consistiu em três etapas, a seguir expostas, com informações sobre o
desenvolvimento das sessões.
A primeira etapa, com
duração, no nosso caso, de 17 sessões, uma vez por semana (90 min), foi uma
fase de diagnóstico grupal – “Identificação da Demanda do Grupo” – em que
realizamos oficinas criativas divididas em quatro momentos: relaxamento,
sensibilização, atividade plástica e fechamento. Observamos as dificuldades do
grupo, utilizando técnicas e materiais expressivos diferentes a cada oficina,
entre as quais não havia continuidade.
As questões predominantes do grupo foram: a falta de escuta e de
limites; o abandono, o preconceito, a exclusão e o bullying. A grande dificuldade de trabalhar em equipe foi o tema
maior, observado neste processo avaliativo.
A segunda etapa, no nosso caso, com 22 sessões, duas vezes por
semana, com duração de 90 min e 60 min, é chamada de “Amplificação da Demanda
do Grupo” – momento em
que trabalhamos as dificuldades apresentadas, por meio do filme, “Chrissa: uma lição de força”, que aborda,
justamente, esses dois temas: bullying
e trabalho em equipe como uma solução.
Como parte de nossa preparação teórica para uma maior compreensão
dos conteúdos psicológicos do grupo, o filme foi brevemente analisado sob a
ótica do trabalho de Vogler (1997), para cinema e TV, sobre a Trajetória do
Herói, mais adiante descrito, já que sua estrutura reflete os aspectos humanos
mais universais.
Trata-se da história de uma menina tímida, em torno de 10 anos, que,
por mudar de estado, nos E.U.A., com sua família (pai, mãe e irmão), para morar
na casa da avó materna, entra em uma escola, no meio do ano letivo, e é vítima
de bullying, por parte de um trio
liderado por uma colega, chamada Tara. O filme mostra a trajetória da personagem,
Chrissa, em busca de soluções para seus problemas de adaptação. Sua presença
modifica as relações entre seus colegas e professores.
O grupo escolheu realizar uma peça de teatro, sem a ajuda de
adultos, fazendo uma releitura do filme, adaptando-o para o seu cotidiano.
Segundo
Eisenstein (2002), no teatro, um ator, para despertar sentimentos no espectador,
precisa vivenciá-los, reproduzindo, no palco, o processo pelo qual, na própria
vida, eles são formados. O teatro, como processo artístico, poderá contribuir
para que os integrantes do grupo tragam, à consciência, as suas ações,
corporificadas em cenas a serem oferecidas ao público e a eles próprios.
A terceira etapa, “Evolução
Final”, consistiu na integração dos conteúdos trabalhados pelo grupo,
representada pelo sucesso da atuação em equipe (maior dificuldade de todos) na
encenação teatral da releitura do enredo do filme. Além disso, nesta etapa, foi
apresentada a avaliação do desenvolvimento do grupo, composta de: informações
fornecidas pela coordenação pedagógica da ONG sobre os integrantes do grupo; observações
feitas por nós, ao longo das sessões; uma correlação entre as características dos
personagens do filme, com os quais cada criança se identificou, e as suas
próprias, tendo como pano de fundo a Trajetória do Herói, criada em etapas, por
Vogler (1997), descritas na próxima seção.
1.2 Reflexões
sobre a jornada do herói e o processo de individuação
A Jornada do Herói mitológico é uma trajetória criada por Campbell
(1995) que percebeu a existência de fases pelas quais o homem passa, dentro de
sua realidade diária – um caminho comum que percorre para tornar-se inteiro e
realizado. Campbell (1995) encontrou 17 momentos ou etapas, nesta trajetória do
herói mitológico. Vogler (1997), baseado em Campbell (1995), adapta sua ideia
para roteiros de cinema e TV, definindo 11 etapas, nesta trajetória do herói.
A seguir, as etapas da trajetória do herói de Vogler (1997).
O Mundo Comum – O herói é
apresentado em seu dia-a-dia. Chamado à
Aventura – A rotina do herói é quebrada por algo inesperado, insólito ou
incomum. Recusa do Chamado – O herói
não quer se envolver e prefere continuar sua vida comum. Encontro
com o Mentor – Pode ser alguém mais experiente ou uma situação que o force
a uma decisão. Travessia do Primeiro Limiar – O herói
decide ingressar em um novo e especial mundo. É o ponto de virada, não tendo
mais como retroceder. Sua decisão pode ser motivada por vários fatores, entre
eles, algo que o obrigue. Testes, Aliados e Inimigos – Encontra
novos desafios, testes, faz aliados e luta contra inimigos. Momento de
adaptação ao mundo especial. Aproximação da Caverna Oculta – O herói
chega à fronteira de um lugar perigoso, onde está o objeto de sua busca. O
nível de tensão aumenta, pois a aproximação da entrada na Caverna significa um
enfrentamento com a morte ou um perigo supremo que é a etapa seguinte. Nessa
etapa, o herói reúne informações, prepara-se para uma provação. Provação
Suprema – É o momento de crise nas histórias. O herói enfrenta a
possibilidade de morte, o seu maior medo, o fracasso de um empreendimento ou
chega ao lugar mais secreto de sua alma.
O herói confronta-se com uma força oposta que pode ser representada pelo
arquétipo da Sombra, criado por Jung (1947). Tem que morrer para renascer em
seguida. Recompensa – Passada a provação máxima, o herói conquista a
recompensa que pode ser uma arma especial, um símbolo ou, ainda, a aquisição de
experiência, sabedoria e/ou reconhecimento. Caminho de Volta –
Após ter conseguido seu objetivo, começa a retornar ao mundo anterior. Nessa
volta, pode haver uma batalha final ou não. Esta guerra pode representar as
neuroses, as carências, os padrões de comportamento habituais, os vícios. Ressurreição
– Esta etapa ocorre no “Caminho de Volta” ao mundo comum. É a volta
concretizada, um momento em que o herói retorna ao seu mundo transformado,
renascido, não sendo mais o mesmo. É um novo ser, mais evoluído, experiente,
com um novo entendimento. Ele deve deixar toda a impureza, todo o trauma do
mundo especial e guardar para si, somente, a experiência e sabedoria
adquiridas. Retorno com o Elixir – O herói volta ao seu mundo comum, mas toda a
jornada não terá tido o menor sentido se ele não trouxer consigo um
elixir. Pode ser um grande
tesouro, como cálice graal ou, simplesmente, um conhecimento ou experiência que
poderá ser útil à comunidade ou ao próprio herói.
Salientamos que, para efeito da construção do nosso trabalho, a primeira
etapa – “Chamado à Aventura” – foi
a mesma para todos os integrantes, uma vez que havíamos oferecido o filme, já
mencionado, e propusemos que o grupo escolhesse qualquer forma de expressão
para contar sua história, não individualmente, mas em equipe. Em sendo este o desafio do grupo, o
consideramos, dentro do roteiro de Vogler (1997), como o “Chamado à
Aventura”. Foi nesse construir artístico, em grupo, que assistimos ao desenrolar
de uma trama, onde um grupo de crianças, que não consegue trabalhar em equipe,
resolve criar uma peça, sobre um filme e enfrentam grandes desafios. Apenas, os
personagens são reais e dois deles vão se enfrentar.
A história de nossos dois personagens (reais) começou a se revelar
repleta de inter-relações, um jogo
de forças, em que alegrias e tristezas, brigas e reconciliações, além de breves
traições e lealdades e, porque não dizer, pequenas maldades ocorreram. Nesse ir
e vir dos acontecimentos, Henry e Christine (nomes fictícios) se encontraram. A beleza desse encontro capturou o
nosso olhar e nos fez desejar enxergá-los, dentro das etapas da Trajetória do
Herói e pelas lentes da teoria de Jung que nos conta tanto sobre o processo de Individuação
do homem em sua jornada pela vida.
Assim, fazemos um convite ao leitor para que acompanhe, de perto, o
encontro dessas forças.
2. DUAS
TRAJETÓRIAS PARA CONTAR
2.1 Um pouco de teoria
A Amplificação, como recurso técnico, na Arteterapia, tem como
objetivo fortalecer a imagem, a partir de fora, permitindo a articulação das
imagens do inconsciente com o consciente.
Nesse sentido, segundo Monteiro (2012), o cinema possibilita-nos um
encontro profundo com nós mesmos, sendo um importante recurso, em Arteterapia,
para um mergulho nos recônditos mais desconhecidos da alma humana. Como a
projeção é um mecanismo de defesa do ego,
importante para o autoconhecimento, poder ver, na tela de um cinema (por fora),
a trajetória de um ou vários personagens, ao longo de um enredo, que sempre
reproduz as questões humanas, torna muito mais fácil um olhar para dentro para
que a consciência seja ampliada.
A Individuação, segundo Jung (2006), é um processo pelo qual ocorre
a realização do Si-Mesmo. Um ser transforma-se em uma totalidade. Mais do que uma tomada de consciência
do ego, a tentativa da realização
dessa unicidade implica a integração de conteúdos opostos (consciente e
inconsciente).
Podemos dizer que a Individuação é o eixo da psicologia junguiana e
os arquétipos que mais influenciaram as trajetórias do herói de Henry e
Christine, foram a Persona e a Sombra. Silveira (1978, p.77) explica que os
arquétipos
[...] são
possibilidades herdadas para representar imagens similares, são formas
instintivas de imaginar. São matrizes arcaicas onde configurações análogas ou
semelhantes tomam forma. [...] Seja qual for sua origem, o arquétipo funciona
como um nódulo de concentração de energia psíquica. Quando esta energia, em
estado potencial, atualiza-se, toma forma, então teremos a imagem arquetípica.
Não poderemos denominar esta imagem de arquétipo, pois o arquétipo é
unicamente uma virtualidade.
De
acordo com Silveira (1978), Jung apresenta as etapas mais fundamentais do
Processo de Individuação. A primeira é a retirada das roupagens ilusórias da
Persona. “Funcionando como uma
roupagem do ego, a Persona tem a importante função de anunciar aos outros como
tal pessoa deseja ser vista.
Muitas vezes, o sucesso da adaptação social vai depender da Persona
adequada”. (GRINBERG, 2003, p. 142).
Entretanto, o homem não deve se identificar com ela, conferindo-lhe
valor exacerbado porque acabará se fundindo aos papéis sociais, ficando vazio.
A Persona pode esconder a nossa verdadeira natureza, ocultando os aspectos que,
normalmente, não são permitidos ou bem vistos em sociedade e, por isso,
tendemos a não aceitar. Assim, se
a pessoa se identificar com sua máscara, para omitir suas deficiências e
dificuldades, criará uma imagem falsa de si e adotará um papel social
inadequado. Após o cair das
máscaras, pela análise da Persona, percebemos que o que parecia ser do
indivíduo, em verdade, é da coletividade.
Esbarramos, então, no arquétipo da Sombra.
A Sombra é um dos arquétipos que mais mobiliza
o ego e se forma de todos os nossos
aspectos que nos são desagradáveis ou que nos causam medo. Temos a propensão de
esconder todas as qualidades opostas à Persona. Tudo o que é sinistro é
afastado da consciência e dos outros, assim como a nossa agonia por senti-los:
impulsos cruéis, assassinos, repreensíveis moralmente. Também afastamos tudo o
que a sociedade percebe como feio ou inapropriado – nossas fraquezas e frustrações,
fruto de sentimentos, por exemplo, de inveja, de ambição, de abandono e de
fracasso. Contudo, a Sombra também envolve qualidades positivas da
personalidade. Em muitos casos, as circunstâncias do mundo exterior foram
hostis ou o próprio ego as colocou de
lado, posto que não continham energia necessária para incrementá-las, ao entrar
em contato com as convenções externas. Fonte fundamental de criatividade, a
Sombra, que corresponde ao Inconsciente Pessoal, deve ser contatada para que as
projeções caiam e os complexos sejam integrados, libertando uma energia, antes
presa nessas questões, que pode ser usada no desenvolvimento do ego. Há, ainda, a Sombra que extrapola as cercas do pessoal – a
Sombra Coletiva. Quando ativada, arrasta homens civilizados, enquanto parte de
uma massa, a agirem de acordo com os mais baixos padrões de comportamento –
atos irracionais, como as discriminações raciais. (SILVEIRA, 1978).
De acordo com Stein (2006), o par, Sombra e Persona
é um clássico de opostos, delineando-se, na psique,
como polaridades do ego que precisam ser integradas, diante de uma aceitação,
pelo indivíduo, de si mesmo. Stein (2006) enfatiza que a integração da Sombra
representa o primeiro degrau no processo analítico. Sem ela, não é possível o conhecimento dos arquétipos, Anima (para o homem) e Animus (para a mulher). É com estes arquétipos
que o indivíduo terá que se confrontar, após conhecer sua própria Sombra.
Segundo (Grinberg, 2003), a Anima concentra as
experiências vividas pelos homens na relação com as mulheres, ao longo da
história da humanidade, e funciona como a personificação do princípio feminino
no inconsciente do homem. A
primeira projeção da Anima é a mãe ou quem ocupe esse lugar e, depois, com o
tempo, a imagem é transferida para a irmã, professora, namorada ou esposa. O Animus concentra as experiências vividas pelas mulheres na relação com os
homens, ao longo dos tempos, e funciona como a personificação das expressões do
masculino no inconsciente da mulher.
A primeira projeção do Animus é o pai ou quem ocupe esse lugar e,
depois, com o tempo, a imagem é transferida para o irmão, o professor, um ator,
o namorado ou o marido.
Grinberg (2003) esclarece que, no homem, uma Anima
positiva manifesta-se
pela
sua sensibilidade, sensualidade, paciência. Uma Anima negativa, manifesta-se
com variações de humor, explosões emotivas. Na mulher, um Animus positivo confere sentimentos de
autoconfiança, potencial intelectual, aumento da criatividade, desenvolvimento
da espiritualidade. Um Animus
negativo manifesta-se por rigidez, autoritarismo e uma intelectualidade não
diferenciada.
Animus e Anima devem exercer a função de ponte
ou de uma entrada para o Inconsciente Coletivo, assim como a Persona é um tipo
de ponte entre o ego e o mundo
exterior.
Segundo Jung (2008, p. 261), dissipadas as
personificações de Anima e Animus, “[...] o inconsciente muda o seu caráter
dominante e aparece sob uma nova forma simbólica, representada pelo self, o núcleo mais profundo da psique.
[...]”. Hart in Young-Eisendrath e
Dawson (2011) comenta que Anima e Animus direcionam o indivíduo para uma vida
mais plena e genuína, para uma experiência do Si-Mesmo, por isso, é fundamental
uma reconciliação com elas, para que o ego
não fique refém de um inconsciente inadmitido e arquetipicamente poderoso.
2.1 O processo evolutivo de Henry
Entrou no projeto
com 10 anos. Segundo informações
da coordenação pedagógica da ONG, Henry tem um suporte familiar suficientemente
adequado, de forma que recebe o apoio necessário para o desenvolvimento de suas
necessidades básicas. Sua família acompanha de perto seu passos, ao longo do
dia, de forma que sempre alguém o busca no colégio e na ONG.
De acordo com as observações coletadas, Henry
apresenta-se como uma criança muito comunicativa, prestativa, afetuosa, mas
extremamente influenciável, de forma que, pode chegar a ser agressivo e
descompromissado em relação ao projeto como um todo, quando tais comportamentos
são adotados por outros integrantes do grupo, do sexo masculino. Não se trata,
aqui, da questão da entrada na adolescência. Henry sempre apresentou um
comportamento de dependência dos colegas, não opinando, apenas seguindo-os, sem
reflexão, e agindo, até mesmo, contra seus próprios princípios e ações, antes
demonstrados.
Com relação aos personagens do filme, “Chrissa:
uma lição de força”, o comportamento de Henry está identificado com a
personagem, Jaden, a integrante do “trio de
agressoras” da escola de Chrissa, sem voz própria que só age de acordo com as
determinações de Tara. Até o fim do filme, continua a seguir os passos da vilã.
Henry pratica bullying em relação ao
grupo de meninas, principalmente contra Christine. Ao
longo de sua trajetória, seu comportamento passa a identificar-se com a
personagem, Somali, aquela que se posiciona e muda, deixando de ser
influenciada por Tara, a vilã da história. Entretanto, diz, no início da Amplificação: “Gostei da Tara,
aquela menina perturbada”. Incentivado a falar mais, explica, com voz baixa e
um meio sorriso nos lábios: “É porque ela faz aquelas maldades.”.
Com relação à trajetória do herói, descrita em
Vogler (1997), Henry, diante do “Chamado à Aventura”, recusa-o até a Sessão 19,
quando tem o seu primeiro “Encontro com o Mentor”. Henry não aceita participar
de nenhuma atividade para a construção da peça, alegando não saber “o que
fazer”. Convocado a se lembrar de suas habilidades usadas na construção de toda
uma cena esculpida com Bombril, na Sessão 8; e, também, de sua destreza na
montagem dos sanduíches, na Sessão 17, passa a acreditar em seu potencial para
entrar naquele mundo especial, da criação de uma peça, sem o auxílio de adultos,
concordando em ajudar na cenografia e, mais tarde, em encenar um pequeno papel
na peça – a de um amigo do irmão de Chrissa, cuja participação é fundamental
para unir o grupo de alunos, no piquenique. Tal papel foi criado para que Henry
entrasse na peça, pois não existe no filme. Assim, faz a “Travessia do Primeiro Limiar”. A partir dessa
entrada, passa por muitos testes relativos à sua aceitação da convivência com o
grupo de meninas. Nesta segunda parte do projeto de Arteterapia, o grupo ficou
reduzido, por motivos variados (inadequação ao projeto, mudança de residência,
horário escolar modificado e desistência da ONG), com a saída de 4 meninos e 1
menina, de forma que passou a funcionar, até o final, com 7 meninas e 2
meninos. A “Aproximação da Caverna
Oculta” – um momento de tensão – ocorre quando as meninas do grupo dominam o setting com seu “falatório sem fim”,
obrigando Henry a dialogar com esse universo feminino. Entra na etapa da
“Provação Suprema” – o momento de crise máxima – quando não suporta mais ter
que presenciar e participar das negociações e do ritmo imposto pelas
meninas. Diz que vai sair da
Arteterapia porque não tolera mais “aquele falatório”. Coloca as mãos ao redor
da cabeça e, em tom de desespero, diz: “Tia, eu não aguento mais aquele
falatório. Aquele bibibi eu não aguento mais!”. Henry tem, neste instante, o seu segundo “Encontro com o
Mentor”. O mundo do feminino foi-lhe apresentado sob uma outra ótica. Por meio
de questionamentos, muitas reflexões foram feitas sobre se seria possível viver
sem a convivência com mulheres, sobre o seu pensar e sentir a respeito delas e
sobre o que ele poderia fazer para negociar, uma vez que ele quase nunca se
“desesperava” diante dos desafios do projeto e elas, sim. Após este encontro e,
com a ajuda de seus colegas, C.D. e G.M., ex-integrantes que, neste momento,
admitiram que a “Arteterapia era legal”, Henry resolve ficar no projeto e
assumir o desafio de procurar entender como as mulheres “funcionam”. Adota uma postura
de escuta e usa-a a seu favor, no sentido de observar os movimentos femininos.
Na Sessão 23, é ventilado pelo grupo, que Henry havia recebido, na escola, uma
carta de amor anônima. Note-se que o grupo também se encontra fora da ONG, pois
estudam no mesmo colégio. Em um dado momento, na Sessão 24, diz: “Entendi a
falação das meninas”. Passa, assim,
a circular pelas conversas sem se irritar, agregando uma nova visão do
“feminino” que o deixa mais tranquilo e seguro de seus atos. Esta é a sua fase
da “Recompensa”, quando ganha a sabedoria necessária para enfrentar suas
dificuldades. No “Caminho de Volta”, alguns impasses ainda prendem nosso herói,
de forma que o clímax da “Ressurreição” se dá quando Henry se vê diante da
atividade da construção de um dos cartazes de abertura das cenas da peça ( o da
“Diretoria”). Tenta realizá-lo, mas percebe que seu trabalho não está muito bom
e pede a opinião de uma das facilitadoras que lhe devolve, dizendo que ele
poderia perguntar para L.T., o único menino do grupo ou para as meninas ao seu
lado. Henry, então, resolve, pela primeira vez, pedir a opinião de Christine,
sua maior “adversária”, sobre sua produção. Christine, indagada se seu cartaz “estava
feio”, responde, apenas, que “não estava bonito” e lhe dá opções para uma
melhoria. Henry aceita as suas sugestões e reformula sua placa que ficou,
esteticamente, muito bem feita, o que lhe deu muito prazer, demonstrado pelas
suas expressões faciais e olhares de orgulho. A etapa do “Retorno com o Elixir”
é vivenciada quando Henry já adota, no mundo comum, fora do setting (observações dentro da ONG.),
uma nova postura de comportamento, não somente com relação às meninas, mas,
também, com relação à sua personalidade influenciável. Henry começa a se manter
mais fiel às suas convicções, ora agindo por conta própria, ora ainda um pouco
comandado pelos colegas a agir de forma truculenta. No dia da montagem final do cenário para a encenação
da peça (Sessão 38), trabalha em conjunto com as meninas, principalmente com
Christine, de livre e espontânea vontade. Neste instante, ficou claro que,
mesmo se L.T. não quisesse participar, Henry o faria de bom grado, o que
demonstrou uma verdadeira aquisição de experiência que lhe será útil, assim
como aos outros que com ele conviverem.
2.3 O processo evolutivo de Christine
Entrou no projeto com 10 anos. Segundo informações da coordenação
pedagógica da ONG, Christine tem um suporte familiar suficientemente adequado,
de forma que recebe o apoio necessário para o desenvolvimento de suas
necessidades básicas. Sua família acompanha com interesse sua trajetória
escolar e participa de sua vida acadêmica.
De acordo com as observações coletadas,
principalmente, Christine apresenta-se como uma criança muito comunicativa,
participativa, independente, objetiva, com características de liderança e, em momentos
de tensão, agressiva, sarcástica e
rebelde. Tem questões a serem resolvidas com relação ao seu corpo – sofre bullying, sendo tachada de “gorda”.
Outro tema do bullying é a
adjetivação de “burra”. Sua
autoestima é levemente baixa, sendo compensada por sua forte presença
argumentativa no grupo.
Com relação aos personagens do filme, Chrissa:
uma lição de força, o comportamento de Christine encontra-se identificado com a
personagem, Tara, a líder do “trio de agressoras” da escola. Além de seu
comportamento estar identificado com o da vilã, Christine também a escolhe como
a personagem com a qual mais se identifica. Justifica-se dizendo que escolheu a
personagem “mais bonita” do filme e que é “super safa”. Na peça, optou por ser
atriz e encenar o papel desta vilã.
Ao longo de sua trajetória, seu comportamento passa a ficar identificado
com a personagem principal, Chrissa, a que era afetuosa e sensível.
Com relação à trajetória do herói, descrita em
Vogler (1997), Christine, diante do “Chamado à Aventura”, recusa-o, em um
primeiro momento, na Sessão 18, alegando estar receosa e ansiosa por nunca ter
participado de uma proposta tão extensa e sem a participação de adultos. Diz:
“Eu nunca fiz isso”. (Note-se
que a escolha da empreitada foi do grupo, podendo este ter optado por outras
formas de recontar o filme proposto). Nesta mesma sessão, ocorre o seu
primeiro “Encontro com o
Mentor”. Christine recebe as
informações necessárias para entender o projeto da peça e tem a coragem, então,
de fazer a “Travessia do Primeiro Limiar”, quando identifica-se com a
personagem, Tara, e acha que consegue dar conta do papel. Imediatamente, dá-lhe
vida, com seus movimentos corporais parecidos com os da vilã. Christine consegue
vivenciar esse lugar da beleza e cria jargões para caracterizá-la, como por
exemplo, estalar os dedos, jogar todo o cabelo para um lado e dizer: “Sou mais
bonita...” ou “Já é!”. A partir
desta travessia, passa por muitos testes relativos à aceitação de uma postura
mais suave, assertiva e menos reativa,
já que sente dificuldade em se expressar de uma forma menos agressiva. A
“Aproximação da Caverna Oculta” – um momento de tensão – dá-se quando, junto a
T.E. (uma das meninas), recusa-se a ensaiar a peça, na ONG, fora do setting, arteterapêutico (decisão do
grupo), por estar jogando cartas com outras colegas. É chamada de “preguiçosa”,
por E.V (uma outra menina) que “passa dos limites”, segundo relato do grupo, ofendendo-a. Christine, assim como
todo o grupo, decide esperar pelo “dia da Arteterapia”, para expor o ocorrido
às facilitadoras e discutir o clima de desentendimento gerado. Christine entra
na etapa da “Provação Suprema”,
quando, diante das facilitadoras, na Sessão 25, evita agir reativamente,
entrando em seu padrão habitual de agressividade e sarcasmo, e expõe, com
assertividade, seu sentimento de “revolta”, diante da ofensa de E.V., dizendo o
que se segue: “Eu fiquei muito magoada porque, lá na minha casa, me chamam de
anta, de burra e, tudo bem, eu aguento. Agora, de preguiçosa, eu não aceito
porque nunca ninguém me chamou disso. Eu posso ser tudo, menos isso”. Christine
deixa que uma lágrima role pelo seu rosto, expondo sua mágoa, pela primeira
vez. Christine passa a expressar, mais adequadamente, suas
emoções relativas a acontecimentos ameaçadores, em vez de somente reagir
negativamente diante deles. Christine entra na etapa da “Recompensa”, quando
ganha a sabedoria necessária para se autoanalisar e perceber quando está
praticando ou sofrendo bullying,
sendo reativa ou não, conseguindo verbalizar suas observações e emoções com
humor e uma certa suavidade. No
“Caminho de Volta”, alguns impasses ainda a desafiam para confirmar ou não a
internalização de suas mudanças. O clímax da “Ressurreição” acontece,
quando Henry, seu maior adversário, diante da atividade da construção de um dos
cartazes de abertura das cenas da peça (o da “Diretoria”), já mencionado
anteriormente, indaga Christine se sua produção “estava feia”. Christine
responde, de forma suave e não-crítica, que, apenas, “não estava bonita” e lhe
oferece alternativas para melhorá-lo. Henry aceita as suas sugestões e modifica
sua placa, o que fez com que Christine abrisse um largo sorriso. Seu olhar se cruzou com o de Henry em
um gesto de aceitação. O “Retorno com o Elixir” acontece quando Christine, após
o encerramento do projeto de Arteterapia, fora do setting artetrapêutico (mundo especial), consola, carinhosamente,
B.C. (uma menina do grupo), que ainda chorava pelo término do projeto, na
sessão 39. Antes, muito objetiva e rígida, Christine não acolheria B.C. de uma
forma tão carinhosa. Faria comentários racionais e reviraria os olhos para tal
comportamento tão emotivo, como era “hábito” seu. Christine completa, assim, sua jornada, conseguindo
internalizar uma nova forma de agir, pensar e sentir o mundo.
2.4 Henry e Christine: um dissipar de
projeções
Henry, identificado com sua máscara, para
esconder sua agressividade e transgressão, gerou uma falsa autoimagem e adotou
um papel social inapropriado, no grupo, desestabilizando-o, a todo o instante,
o que se transformou em uma barreira a ser vencida, se quisesse evoluir em seu
processo de Individuação.
Henry (seu ego)
oculta o seu lado violento e transgressor. Diante de uma mãe e de um irmão autoritários (informações
coletadas no setting terapêutico),
gera uma Persona de submissão. Por isso, segundo seus colegas, é “um
maria-vai-com-as-outras”, ou seja, aquele que faz o que o seu grupo de
preferência (dos meninos) “manda”, ainda que seja algo contrário a princípios
já demonstrados anteriormente, independentemente da fase da adolescência
iniciada. Além disso, age sempre,
com muita presteza em relação a figuras de autoridade, mas com o intuito de
conseguir algo em troca para si. Entretanto, quando não consegue o que deseja,
apresenta variações de humor, como por exemplo, de repente, se negar a realizar
as atividades que estão sobre a sua responsabilidade para o bom andamento da
construção da peça de teatro.
Henry chegou até mesmo a desisir, em um dado momento, de encenar o papel
que havia sido criado, única e exclusivamente para ele, desestabilizando o
grupo. Apesar de ter reconsiderado, deixa o grupo inseguro com relação ao seu
próximo “ataque”.
Em sua Sombra, estão as suas qualidades que não
puderam ser postas em prática porque, de um lado, as condições de seu
meio-ambiente social e familiar foram-lhes adversas e, de outro, o ego não teve energia suficiente para
pô-las em movimento, diante das convenções de seu entorno.
Projetou os conteúdos (inconscientes), que
estavam em sua Sombra, nas características negativas da personagem, Tara. Como
vilã do filme, Tara é uma menina preconceituosa, agressiva, transgressora das
normas da escola e de normas sociais, manipuladora, autoritária e vingativa.
Sendo assim, aspectos negativos da Persona de Tara, representam partes da
Sombra de Henry que, também, são negativas. Entretanto, essa energia é a que move o indivíduo às suas
conquistas. Não é à toa que Henry
nunca acreditou em suas potencialidades, dizendo, inclusive, não saber fazer
coisa alguma que pudesse ser aproveitada na peça de teatro.
Henry justifica sua escolha dizendo que gostou
de Tara, “ [...] aquela menina perturbada”, porque “ [...] ela faz aquelas
maldades”.
O
processo de Individuação de Henry resumiu-se, neste momento, em integrar
suas características negativas, ocultas no inconsciente, relativas à sua
agressividade, rebeldia e ao seu desejo de transgressão. Ao integrar tais
aspectos, em seu modo de interagir com os outros e com mundo, Henry conseguirá
conquistar seu espaço no mundo, posicionando-se na vida, de maneira mais
assertiva e firme, diante dos obstáculos, para que seus desejos possam ser
colocados em pauta e não mais postos de lado por um comportamento de submissão.
Ao longo do processo arteterapêutico, Henry
conseguiu integrar algumas partes de sua Sombra ao seu ego, conforme o relato da sua Trajetória do Herói, descrito na
seção 2.3.
Christine, identificada com sua máscara, para
esconder suas deficiências, gerou uma imagem de si que não é verdadeira e
adotou um papel social inapropriado, no grupo, o que se transformou em um
obstáculo a ser ultrapassado, se quisesse prosseguir em seu processo de
Individuação. Sua Persona funciona como um mecanismo de defesa de seu ego.
Christine (seu ego) oculta algo que acha ter de defeituoso e deficiente: o ser
inferior, “burra”, “anta”, como suas irmãs a consideram. Esconde, também, a sua
feminilidade, pois se considera “feia”, “gorda” e “desajeitada”. Tais adjetivos, apontados ao longo do
processo arteterapêutico, são usados por alguns membros de sua família e alguns
de seus colegas da ONG. Por isso,
seus movimentos corporais são embrutecidos, sem suavidade, e sua forma de interagir,
especialmente em momentos de tensão, é racional, sarcástica, desafiadora, pouco
afetuosa, apesar de ser prestativa e empreendedora, qualidades que não
reconhece ter, ainda que as demonstre por ações. Não se enfeita com adornos femininos como as colegas de sua
idade. Esta é a sua forma de se apresentar ao mundo exterior.
Em sua Sombra, estão as suas qualidades que não
puderam ser postas em prática porque, de um lado, as condições de seu
meio-ambiente social e familiar foram-lhes adversas e, de outro, o ego não teve energia suficiente para
pô-las em movimento, diante das convenções de seu entorno.
Projetou os conteúdos (inconscientes), que
estavam em sua Sombra, nas características positivas da personagem, Tara. Apesar de ser a vilã do filme, Tara é uma
menina, de fato, empreendedora, líder, convincente, a mais bonita de todas,
muito feminina, sensual e sedutora. Sendo assim, aspectos positivos da Persona de Tara,
representam partes da Sombra de Christine que são positivas.
Christine justifica sua escolha dizendo que
Tara era a “mais bonita” das personagens e, também, “super safa”, dois
atributos que acredita não ter.
O
processo de Individuação de Christine resumiu-se, neste momento, em
integrar suas características, abafadas por seu ego, relativas à feminilidade, suavidade, afetuosidade e à
capacidade de negociação, no sentido de uma maior flexibilidade em sua forma de
interagir com os outros e o mundo, aproximando-a, assim, da personagem
principal, Chrissa.
Ao longo do processo arteterapêutico, Christine
conseguiu integrar essas partes de sua Sombra ao seu ego, conforme o relato da sua Trajetória do Herói, descrito na
seção, 2.3.
Henry e Christine foram convocados ao desafio
de enfrentar essas forças sombrias da psique. Tais forças entrecruzaram-se, no setting arteterapêutico, uma vez que a
Sombra de Henry, onde estavam a sua agressividade e forte desejo de
transgressão, não admitidos por ele, foi projetada na Persona de Christine
(autoritária, agressiva, sarcástica, firme e decidida), tornando a presença de
sua colega altamente indesejável, motivo pelo qual a agredia e magoava
profundamente ao taxá-la, também, de
“anta”, de “gorda” e de “burra” – sem contar com as inúmeras tentativas
de boicotá-la no projeto, como quando conseguiu filmar um ensaio seu para
colocá-lo na Internet, por saber que ela se sentiria muito envergonhada com
isso. Apesar da filmagem ter sido deletada, Christine ficou fortemente magoada
e apreensiva. A Persona de Christine, também, tinha o poder de ativar a Sombra
de Henry, fazendo com que ele se tornasse extremamente agressivo. Uma agressividade
não exteriorizada com intensidade adequada e nem com um objetivo saudável. Por outro lado, a Sombra de Christine,
onde se encontravam a sua sensibilidade, afetuosidade e feminilidade, foi
projetada na Persona de Henry (afetuosa, sensível, sedutora, delicada), fazendo
com que a sua presença fosse motivo para o início de um embate que,
invariavelmente, terminava com agressões, como por exemplo, quando Christine, o
chamava de “maria-vai-com-as-outras” e o questionava quando seria o seu próximo
“piti”, todas as vezes em que ele era influenciado pelos seus colegas
(meninos), evitando de cumprir com as suas responsabilidades.
Esse círculo vicioso foi rompido, no momento em
que Henry e Christine tomaram consciência de que aquilo que não gostavam um no
outro era algo que tinham dentro de si.
A própria dinâmica do teatro, que é
arteterapêutica e funciona como uma tela de projeção, colocou-os para encenar
todas essas deficiências e malignidades, assim como as qualidades veladas no
inconsciente. Christine teve a
oportunidade de encenar a menina bonita, feminina e sedutora, assim como Henry
teve a chance de interpretar um garoto agregador do grupo de alunos da escola,
extremamente decidido. Esse processo ajudou-os a aceitar as suas Sombras. E, na
medida em que alguns aspectos iam sendo integrados, a relação entre os dois
melhorava, pois passaram a se enxergar verdadeiramente.
Segundo Stein (2006), no processo de
individuação, somente podemos passar para a etapa do confronto com os
arquétipos, Anima e Animus, quando conseguimos integrar nossas Sombras, porque
o confronto desses arquétipos só é possível na relação com o outro sexo, ainda
que haja controvérsias contemporâneas sobre em ser em relação, também, com o
mesmo sexo. O mais importante é que, se o indivíduo ainda não enxergou os
aspectos da sua Sombra e as projeções que faz deles, não estará realmente em
uma relação com o outro, mas, sim,
em face de um outro, ainda envolvido nas questões de sua Sombra.
Apesar de sabermos que as forças desses dois
Arquétipos, Anima e Animus, estavam latentes, tanto em Henry, quanto em
Christine, não havia condições de um enfrentamento, pois ambos ainda estavam às
voltas com suas Sombras e respectivas projeções, enxergando esse processo já no
final do estágio.
CONCLUSÃO
Este artigo pretendeu descrever, brevemente, a análise feita da trajetória de dois participantes
do grupo do nosso projeto de estágio em Arteterapia, com base nas etapas da
Jornada do Herói, interligadas à teoria de Jung, no que tange ao processo de
Individuação e seus arquétipos.
Optamos, para tanto, em realizar um sucinta revisão de literatura
que pudesse embasar o nosso olhar sobre as dinâmicas interrelacionais dos
participantes escolhidos e cujas trajetórias foram utilizadas para ilustrar
nosso caminho.
Ao final de 39 sessões, 105 horas de estágio, sendo que 22 sessões vivenciadas
na etapa da Amplificação, percebemos que a nossa experiência de apreciação do
percurso desses dois integrantes, à luz das etapas da Jornada do Herói de
Vogler (1997), assim como sob o olhar do processo de Individuação de Jung,
deu-nos uma visão muito mais abrangente do seu desenvolvimento, no setting arteterapêutico, bem como da
origem de suas dificuldades, de tal sorte que nos foi possível promover, ainda
que ao nível do grupo, momentos de reflexão e situações facilitadoras da
emersão de conteúdos psíquicos inapropriados, para que fossem vivenciados,
durante, não só a encenação da peça, mas, também, ao longo de sua construção,
atravessada pela Arteterapia.
Dessa forma, deixamos, como sugestão, esse olhar a mais sobre a
complexidade das relações entre os indivíduos e suas projeções, dentro do
processo de individuação, em razão de ser o processo descrito propício para uma maior visibilidade
decifrável dos enredos da nossa psique. Embasa-nos para um lidar, no setting, com o imponderável da vida que
em muito ultrapassa o âmbito do lugar comum.
REFERÊNCIAS
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. Tradução Adail
Ubirajara Sobral. São Paulo: Pensamento, 2007, 414 p. (Obra original publicada
em 1949).
EINSENSTEIN, S. O sentido do filme. Tradução Teresa
Ottoni. Revisão técnica José Carlos Avelar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2002,159 p. (Obra original publicada em 1942).
FRANZ, M.-L. von. O processo de individuação. In:
JUNG C. G. et al. (Org). O homem e
seus símbolos. Tradução Maria Lúcia Pinho. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2008, 429 p. (Obra original publicada em 1964).
GRINBERG, L. P. Jung: o homem criativo. São Paulo:
FTD, 2003, 240 p. (Coleção Por outro lado).
HART, D. L. A escola junguiana clássica. In: Young-Eisendrath,
Dawson T. Compêndio da Cambridge sobre Jung. Tradução Cristian Clemente. São
Paulo: Madras Ed., 2011, 448 p.
MONTEIRO, D. da M. R. et cols. (Coord). Apresentação. In: ______. Jung e o cinema:
psicologia analítica através de filmes. Curitiba: Juruá, 2012, 202 p.
SILVEIRA, N. da. Jung: vida
e obra. 6.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, 200 p.
STEIN, M. Jung: o mapa da alma – uma introdução.
Tradução Álvaro Cabral. Revisão Técnica Marcia Tabone. 5.ed. São Paulo:
Cultrix, 2006, 212 p.
VOGLER, C. A jornada do escritor: estruturas míticas
para contadores de histórias e roteiristas. Tradução de Ana Maria Machado. Revisão
técnica Paulo Henrique Brandão. Rio de Janeiro: Ampersand Ed., 1997, 360 p.
(Obra original publicada em 1992).
[1] Ana Paula Martins Jucá,
Graduada em Psicologia-UGF/RJ; Formanda em Arteterapia pelo Curso de Formação Profissional
do Centro de Arteterapia Danielle Bittencourt/ RJ.
[2] Regina Conceição Ribas
Diniz Martins, Pós-Graduada em Psicopedagogia Institucional-PUC/RJ; Pós-Graduada
em Arteterapia-IAVM-FCM/RJ; Graduada em Pedagogia-PUC/RJ; Graduada em
Psicologia-UVA/RJ, Psicóloga em consultório particular. Formanda em Arteterapia
pelo Curso de Formação Profissional do Centro de Arteterapia Danielle
Bittencourt.
[3] Danielle Bittencourt,
Mestre em Criatividade e Inovação-UFP; Pós-Graduada em Psicologia
Junguiana-IBMR/RJ; Psicóloga - UVA/RJ; Arteterapeuta-Clínica - Pomar,RJ; Terapeuta Familiar
Sistêmica-Núcleo-Pesquisas/RJ; Graduada em Artes Plásticas-UDESC/SC; Coach
facilitadora criativa do mestrado online
em Criatividade e Inovação pelo IACAT/Espanha. Coordenadora Geral e
Acadêmica da formação profissional em Arteterapia do Centro de Arteterapia
Danielle Bittencourt/RJ.
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