INDIVIDUAÇÃO E SUAS DIMENSÕES NA ANIMAÇÃO
VALENTE, UMA JORNADA.
Ivonete
de Araújo Vizeu Gil[1]
Danielle Bittencourt[2]
RESUMO:
O
presente artigo explica o conceito de Individuação de Jung estabelecendo como
dimensão ontológica e arquetípica dos seres humanos. Em seguida, articula
aspectos relativos a jornada do herói com o filme Valente, uma metáfora perfeita da redenção do feminino. Com
esse propósito, é relevante o estudo do conceito de individuação como primeiro foco deste artigo. Este trabalho foi realizado como estágio de
finalização do Curso de Formação Profissional em Arteterapia no Centro de
Arteterapia Danielle Bittencourt.
Palavra-chave: Individuação, Jung, arteterapia.
RESUMEN:
En este artículo se explica el concepto de individuación de Jung establecer
una dimensión ontológica y el arquetipo de los seres humanos. Entonces articula
aspectos de viaje del héroe en la película Valente, una metáfora perfecta para
la hembra redención. Para este propósito, es importante para estudiar el
concepto de individuación como el primer foco de este artículo. Este trabajo se
realizó tal como grado de realización del Curso de Formação Profissional em La
Arteterapia en Centro de Arteterapia Danielle Bittencourt
Palabra clave: La individuación, Jung, La
terapia del arte.
SUMMARY:
This article explains the
concept of individuation as Jung establishing ontological and archetypal
dimension of human beings. Then articulates aspects of the hero's journey with
the film Valente, a perfect metaphor for redemption female. For this purpose,
it is relevant to study the concept of individuation as the first focus of this
article. This work was performed as a stage of completion of the Professional
Training Course in Art Therapy at the Center for Art Therapy Danielle
Bittencourt.
Keyword:
Individuation, Jung, Art therapy.
Nessa trajetória
em explicitar o conceito de individuação, deparamos com algumas pesquisas,
assim segundo, Samuels, Shorter e Plaut (1988), individuação é um processo em
que a pessoa torna-se si mesma, inteira, indivisível e distinta de outras
pessoas ou da psique coletiva. Os autores consideram que individuação é um
conceito chave da teoria de Jung que trata do desenvolvimento da personalidade.
Dada à importância do conceito, dedicaremos a explorar a abordagem de Jung. Individuação é o desenvolvimento do Self e, do seu ponto de vista, o
objetivo é a união da consciência com o inconsciente.
“Ela leva ao
nascimento de uma consciência da comunidade humana, justamente porque nos torna
cônscios do inconsciente, que une e é comum a toda a humanidade”. (JUNG 1966,
p.108).
Jung (1991) como analista, descobriu que aqueles que vinham a ele na
primeira metade da vida estavam relativamente desligados do processo interior
de Individuação; seus interesses primários centravam-se em realizações
externas, no "emergir" como indivíduos e conseguir alcançar os
objetivos do Ego. Analisando os mais velhos, que haviam alcançado tais
objetivos, de forma razoável, tendiam a desenvolver propósitos diferentes,
interesse maior pela integração do que pelas realizações, busca de harmonia com
a totalidade da psique. Na teoria
junguiana, o ego é também um complexo.
“Portanto,
em minha concepção, o ego é uma espécie de complexo, o mais próximo e
valorizado que conhecemos. É sempre o centro de nossas atenções e de nossos
desejos, sendo o cerne indispensável da consciência” (JUNG, 2008, p. 7-8)
Toda
personalidade é formada a partir de um centro que é responsável por seu
desenvolvimento, ou seja, o self não é apenas o ponto central, mas abarca a totalidade.
Assim, o self, através dos acessos e ativações dos arquétipos, motiva a
formação e desenvolvimento do ego. O Complexo de Ego, para
Jung (1991) encontra-se no inconsciente pessoal, o núcleo deste complexo assim
como de todos os demais é arquetípico, ou seja, surge do inconsciente coletivo.
Para Jung existem tantos arquétipos quantas as situações típicas da vida. O Ego
também é visto por Jung como resultante do choque entre as limitações físicas e
corporais da criança e a realidade ambiente. A frustração ajuda a formar
‘ilhotas’ de consciência que se juntam ao Ego. O Ego, assevera Jung, adquire
sua plena existência durante o terceiro ou quarto ano.
“Ego é ‘alguém’ que começa a dar
início a sua jornada heróica em busca da totalidade do Self, em busca da meta
do Processo de Individuação. Isto é tornar-se Indivíduo.” (JUNG, 1991, p. 406).
O primeiro passo no
processo de Individuação é o desnudamento da Persona, embora esta tenha funções
protetoras importantes, ela é uma máscara que não deixa o Self manifestar-se de
forma adequada.
Ao analisarmos a Persona,
dissolvemos a máscara e descobrimos que, aparentando ser individual, ela é de
fato coletiva; em outras palavras, a Persona não passa de uma máscara da psique
coletiva. No fundo, nada tem de real; ela representa um compromisso entre o
indivíduo e a sociedade acerca daquilo que alguém parece ser: nome, título,
ocupação, isto ou aquilo.
Segundo Jung (1964),
Persona em latim, a máscara, significa “soa através”. Partilhando uma
identidade psíquica com o personagem existente no mito e no simbólico, o homem
apropria-se das máscaras. O homem moderno mantém
a relação simbólica com a máscara, ainda que não a utilize como no passado,
permanece no inconsciente e demarca a presença humana no mundo.
“Persona é um complicado sistema
de relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de
disfarce destinado a produzir efeitos sobre os outros e, por outro lado, a
ocultar a verdadeira natureza do indivíduo”. (JUNG,1978, p. 68).
De certo modo, tais dados
são reais, mas em relação à individualidade essencial da pessoa, representam
algo de secundário, uma vez que resultam de um compromisso no qual outros podem
ter uma quota maior do que a do indivíduo em questão, ou seja, não podemos
acabar com a persona, visto que necessitamos dela para conviver em sociedade,
mas podemos considerar que ao desenvolver uma persona flexível, consciente de
suas atuações, equilibrando assim o mundo externo com o seu interior, com a sua
essência, ficará mais próximo do si mesmo, ao invés de ser somente fruto de um
meio, sobre o qual se vive.
O confronto com a Sombra,
já seria um próximo passo, ou melhor explicitado, na medida em que nós
aceitamos a realidade da Sombra e dela nos distinguimos, podemos ficar livres
de sua influência. Além disso, nós nos tornamos capazes de assimilar o valioso
material do inconsciente pessoal que é organizado ao redor da Sombra.
“Sombra é a parte inferior da
personalidade. Devido a sua incompatibilidade com a forma de vida eleita pela
consciência, não foram plenamente vivenciados. Estes conteúdos formam uma
personalidade parcial e autónoma com tendências opostas ao inconsciente. Tornar
consciente a sombra é o trabalho inicial da análise” (JUNG, 1971, p.168,169).
No confronto com a Anima
ou Animus na Individuação, segundo Jung (2008), cabe ao par Arquetípico de Animus e Anima importância especial,
pois nos permite alcançar as camadas mais profundas da psique. São os
intermediários entre o consciente e o inconsciente. Este Arquétipo deve ser
encarado como uma pessoa real, uma entidade com quem se pode comunicar e de
quem se pode aprender. Jung faria perguntas à sua Anima sobre a interpretação
de símbolos oníricos, tal como um analisando a consultar um analista. O
indivíduo também se conscientiza de que a Anima (no homem) e Animus (na
mulher), ou seja, figura interior de mulher contida num homem e a figura de
homem atuando na psique de uma mulher, embora desiguais nos modos como se
manifestam, têm certas características em comum, uma autonomia considerável e
de que há probabilidade dela influenciar ou até dominar aqueles que a ignoram
ou os que aceitam cegamente suas imagens e projeções como se fossem deles
mesmos. Jung resumiu anima/animus como “imagens da alma”.
Posteriormente elucidou esta afirmação chamando a cada uma delas de não-eu. Ser
não-eu, para um homem corresponde, com muita probabilidade, a algo feminino e,
porque é não-eu, está fora de si próprio, pertencendo à sua alma ou ao seu
espírito. A anima (ou animus, conforme o caso) é um fator que acontece
a um indivíduo, um elemento apriorístico de disposições, reações, impulsos no
homem; de compromissos, crenças, inspirações em uma mulher – e, para ambos,
algo que induz o indivíduo a tomar conhecimento do que é espontâneo e
significativo na vida psíquica. Por trás do animus, alegava Jung, jaz
“O arquétipo de significado;
exatamente da mesma forma que anima é o arquétipo da própria
vida. (JUNG, 2008, p.258)
O estágio final do
processo de Individuação é o desenvolvimento do Self. Segundo Santos[3],
Jung dizia que o Si- Mesmo é nossa meta de vida, pois é a mais completa
expressão daquela combinação do destino a que nós damos o nome de indivíduo. O
Self torna-se o novo ponto central da psique, trazendo unidade a ela e
integrando o material consciente e inconsciente. O Ego é ainda o centro da
consciência, mas não é mais visto como o núcleo de toda a personalidade.
Jung(1985), escreve que
devemos ser aquilo que somos e precisamos descobrir nossa própria
individualidade, aquele centro da personalidade que é eqüidistante do
consciente e do inconsciente. Dizia que precisamos visar este ponto ideal em
direção ao qual a natureza parece estar nos dirigindo. Só a partir deste ponto
podemos satisfazer nossas necessidades.
RESUMO DA
HISTÓRIA
No filme a princesa Merida, é criada pela mãe para ser uma perfeita
princesa e a sucede-la como rainha. Merida precisa seguir protocolos e
etiquetas. Tudo conforme o costume dos antepassados. Ela precisa ser uma dama!
Prefere caçar com seu arco e flecha e cavalgar pelas florestas selvagens da
Escócia. Sua mãe tem outros planos, casá-la! Para isso organiza uma competição
de forma a escolher seu futuro marido. Nesse instante, se vendo obrigada a
casar, recorre à ajuda de uma bruxa. A bruxa então lhe da uma poção no intuito
de mudar sua mãe. Quando a poção surte efeito, a transformação da rainha não é
exatamente a que Merida esperava… E ai caberá à jovem ajudar a sua mãe e a
impedir que o reino entre em guerra com os povos vizinhos. Agora farei uma
articulação do filme “VALENTE”, um filme de animação americana de 2012,
dirigido por Mark Andrews e Brenda Chapman e produzido pela Pixar Animation
Studios, com o conceito de INDIVIDUAÇÃO segundo Jung. Em especial destacarei o
feminino. A jovem Valente terá que lidar não apenas com a sua própria Sombra,
mas com todos os processos que se desencadeiam até chegar ao entendimento da
sua própria personalidade e crescimento pessoal.
TRAJETÓRIA DA VALENTE, UM PERCURSO DA JORNADA DO HERÓI E SUAS DIMENSÕES.
Logo na primeira cena, vemos Merida, ainda pequena com a sua mãe, num
acampamento. Elas aparecem em perfeita harmonia e sincronia. Essa é a essência
de toda criança: harmonia com a figura da mãe, entendimento mútuo, Merida é uma
extensão da sua mãe, onde começa uma e termina a outra? O pai Fergus, rompe em
seguida com essa simbiose. Percebo que no simples ato de dar de presente de
aniversário um arco para a filha, separa-a do mundo materno, dando a ela uma
nova condição: de ser alguém por si mesma. Rompe a simbiose com a mãe, função
paternal. Fergus significa “homem vigoroso”, muito bem representado no tamanho
e força que esse líder possui. Elinor, é bem
diferente dessa relação, enquanto está com Merida no acampamento, apresenta-se
no aspecto maternal, cuidando com muito desvelo das criaturas pequenas e
indefesas. Uma das coisas que ela faz é nutrir, o que fica claro pela quantia
de comida que há nas mesas espalhadas pelo local. Porém, ela também é esposa do
governante, representante do casamento e do status social. Quando Fergus chega
e presenteia Merida, é imediatamente criticado o presente dado, acrescentando
que arcos não são presentes a serem dados a uma menina. Nessa cena incial, já
temos vislumbrado o que acontecerá ao longo do processo: uma filha que se
identifica com o pai e com a mãe, que em dado momento vai ter que enfrentar
esse aspecto dominador da figura materna para que possa se tornar indivíduo,
tendo um pai que, apesar da força, tamanho e poder que tem, nem sempre consegue
intervir.
A primeira vez que uma luz mágica aparece no desenho é aqui. Ela é
definida como guia do destino. Fergus zomba de Merida e Elinor, dizendo que uma
flecha é que a levará ao seu destino. A luz representa conhecimento ancestral,
intuição, a sabedoria que surge para guiar nos momentos difíceis.Pois é isso
mesmo o que ela faz ao longo da história, em momentos diferentes. A flecha é um
símbolo de direção, de objetividade. Podemos pensar que a flecha leva também ao
objetivo, ao destino, mas também causa sofrimento para alcançar o ponto final.
Assim, partimos para o início do processo de individuação de Merida.
A pequena princesa guerreira celta cresce. Já adolescente, é obrigada a
se enquadrar nos moldes pré-determinados da mãe, Merida tem uma energia rebelde
e indomável aos olhos da mãe. E é
assim que Elinor vê a filha: impossível. São forças diametralmente opostas,
pois a primeira acredita que a mulher não tem poder sobre seu destino e a
segunda acredita firmemente na mulher como condutora de sua própria vida e
escolhas. Além disso, ao exigir que Merida absorva todo aquele conhecimento
pronto, tenta transformá-la, ou seja, Elinor tenta transformar Merida numa
extensão de si mesma, além dessa questão do submeter-se às regras, surge também
uma tentativa enviesada de resgatar o vínculo inicial, aquela sensação de todo
e simbiose que vivenciamos com as crianças pequenas. Isso é muito comum de
acontecer entre mães e filhas, a mãe desejar que a filha seja o mais semelhante
possível de si mesma, uma cópia, como necessidade de identificação, fenômeno
projetivo ou apenas necessidade de continuidade de si mesma. E a adolescente,
no caso, faz de tudo para se diferenciar da mãe pois, afinal, são duas pessoas
diferentes. Ao sair com Angus para o dia na floresta, Merida resgata sua
essência. É maravilhosa a cena dela montada em disparada, atravessando a ponte
que liga o castelo à floresta.
E o que essa ponte liga é justamente um castelo, construção feita por
mãos humanas, representação de um mundo dominado por regras e normas de
conduta, um mundo masculino, e a floresta, selvagem, verdejante, úmida,
pulsante, território da mãe-terra, de Gaia, portanto um mundo feminino
instintivo. Estar perdida na floresta é estar perdida em si mesma, em sua
essência. É a expressão da individualidade de Merida e fica mais explícito qual
é o tipo de energia que Merida possui. Energia essa que não interessa a mãe.
Com a chegada das cartas dos líderes de outras tribos confirmando a vinda para
o torneio, fica claro o que Elinor tem em mente para a filha:
casamento. Só que Merida não quer se casar. Casar-se significa
entrar no mundo da mãe, tornar-se uma igual, talvez se tornar a própria mãe.
Merida recorre ao pai para protegê-la, mas esse se vê sem voz diante da
autoridade da esposa, a rainha, mesmo ele sendo passivo ele teve a postura
inicial a dar o corte na relação mãe e filha. A
impressão que se tem é que Fergus é visto como um pai amoroso ao seu modo,
figura paterna de fato, enquanto Elinor é a rainha, autoridade, figura de poder
e não materna. Casar-se equivale a se distanciar de si mesma. A mãe prende a
filha num vestido, onde Merida mal consegue se mexer. A mãe tenta imobilizá-la,
talvez porque de alguma forma sabe do que sua filha é capaz de fazer quando
livre. A mecha de cabelo que Merida teima em deixar aparecendo é símbolo de sua
rebeldia, tenacidade, força. É símbolo do quanto ela pode ser irrefreável.
Chegam os líderes e Merida opta pelo duelo com arco e flecha, pois pretende
lutar por si mesma (já que os primogênitos dos 4 clãs podem duelar). Olha a
tomada do destino em suas próprias mãos! No começo da história, Fergus pontua
que o destino vai chegar por uma flecha. Sim, Fergus não quis profetizar,
inclusive zombou desse tipo de atitude, mas é o que ele fez sem intenção. No
torneio, três coisas muito importantes devem ser pontuadas: os irmãos de Merida,
a aliança silenciosa entre pai e filha e o confronto com a mãe. Os irmãos de
Merida aparecem desde o começo como três pestinhas. Na realidade, percebo os
três como representações de características da própria Merida, talvez da
família. Os três são irrefreáveis, indomáveis, tenazes, persistentes,
estratégicos e impulsivos. A
aliança entre pai e filha se evidencia pelas piadinhas que trocam enquanto os
representantes dos clãs lançam suas flechas. Ambos deixam claro o quanto acham
aquilo tudo um disparate. Em nenhum momento Fergus fala declaradamente que acha
ridículo o torneio, mas corrobora a tese da ridicularidade ao rir junto à
filha. E, por fim, aqui Merida declara guerra com a figura materna e confronta
a mãe. Deixa claro que o destino dela quem rege é ela mesma. Lutar por sua
própria mão é lutar por si mesma. Rasgar o vestido de princesa sendo oferecida
em casamento numa bandeja é livrar-se das regras. Soltar os cabelos equivale a
libertar-se e declarar sua essência, que é diferente da essência da mãe.
Merida, ao usar as armas, coloca-se na mesma posição do masculino, como se ela
dissesse: não comercializem minha liberdade, aquele que ousar será ferido
mortalmente. E ela prova isso acertando as flechas no centro dos 3
alvos. Elinor declara que Merida é uma portadora do mal, pensamento
totalmente patriarcal, pois ela envergonhou a todos perante os outros líderes.
Após o confronto com a mãe, quando Merida rasga a tapeçaria e Elinor
joga o arco ao fogo, a princesa foge com Angus para a floresta. Floresta é um
dos símbolos para inconsciente. Sempre que alguém adentra uma floresta está
adentrando o inconsciente, buscando respostas mais profundas. Merida, além de
refugiar-se onde se sente mais segura, sai em busca de algo que acalente seu
coração. Sai em busca de respostas e ao sair do círculo de pedras, a dupla
encontra uma clareira onde está a casa da bruxa.
A princesa solicita um feitiço que mude seu destino,
mas associa a isso a mudança da mãe. Merida não consegue reconhecer que talvez
ela também precise de mudanças, não só a mãe. Não é capaz, ainda, de reconhecer
suas dificuldades, suas falhas e até mesmo as semelhanças com a figura materna.
Mudar a mãe é mudar o destino? Sim, é. Mas não da forma esperada. Voltando ao
castelo, Merida oferece o doce a Elinor, que o come e imediatamente começa a
sofrer os danos. Ela se transforma numa ursa, símbolo que representa a nobreza,
a força, a resistência. Quando ambas entendem a transmutação, a primeira fala
de Merida é: “não queria te transformar em urso, a culpa não é minha!”, mais
uma vez isentando-se de sua responsabilidade.
Elinor, como urso, andando em duas patas, mantém sua
humanidade. A coroa em sua cabeça é um lembrete disto. Ela continua sendo a
rainha. Outra coisa interessante é que ela se incomoda com o fato de não estar
vestida. Sim, pois as roupas dizem respeito a nossa persona, aquilo que
queremos que o mundo veja de nós. Agora
Elinor está nua em sua essência. A rainha fica muito desastrada dentro dessa
nova forma, não só por não estar acostumada ao tamanho de um urso, mas também
por estar há muito afastada dessa própria natureza. Como rainha, se afastou de
necessidades mais básicas e primitivas, se afastou de necessidades mais
corporais. Há um desconforto generalizado com o próprio corpo, com a própria
pele. Elinor sente-se confortável com o papel que ela assumiu em sua vida, mas
não se sente confortável quando seus instintos estão desnudos e expostos. Ela
mesma não confia em seus instintos, nem mesmo se lembra como utilizá-los. Mãe e
filha seguem para a floresta. A rainha dá indícios de ainda saber utilizar seus
instintos quando encontra a casa da anciã por sua própria natureza selvagem, a
mãe-ursa, cheirando o ar, encontrou aquilo que procuravam. Elinor recorre à sua
memória ancestral, a sua natureza selvagem, e é isso o que lhe dá condições de
encontrar o caminho. O recado que encontram no casebre é “sina alterada, OLHE
SUA ALMA. Remende a união por orgulho separada”. A sábia é clara: olhar a alma.
Parece que o recado é apenas para a princesa, mas na realidade é uma tarefa que
ambas necessitam cumprir para que possam recuperar seus destinos. Em algum
momento, Merida conclui que precisam remendar a tapeçaria, mas não. Na
realidade, o que precisam remendar é sua relação. Ambas estavam feridas em suas
essências, em suas almas. Ambas ultrapassaram limites. O remendo é a
convivência, o entendimento, a empatia, a cumplicidade, que se estabelece
enquanto ambas estão na floresta. Os papéis se invertem: a filha passa a cuidar
da mãe. A mãe precisa da filha como guia, precisa aprender a confiar em sua
adolescente e esta, por sua vez, precisa aprender a controlar sua
impulsividade, libertar-se de seu egocentrismo e cuidar da mãe. O exercício é
árduo para ambas, principalmente para Merida, pois exige dela controle emocional,
paciência e total atenção no outro. É um exercício de maturidade, pois Merida
tem ferramentas que a mãe não tem e que podem facilitar muito a vida de ambas. Ambas, entram dentro da água, em suas
essências, as defesas caem e a comunicação, mesmo que não verbal, acontece de
forma harmônica, sem entraves. A rainha age espontaneamente, de forma leve, o
que faz com que Merida consiga se identificar com a mãe. Quando a mãe-ursa
deixou sua coroa fora da água, livrou-se de sua autoridade. Deixa de ser rainha
e passa a ser mãe. Passa a ser um indivíduo, uma pessoa. Ela se torna humana,
apesar da forma física. E é isso o que permite a sintonia entre ambas. Ao sair
da água, Elinor esquece a coroa e mantém-se nas quatro patas. Deixar a coroa
pra trás equivale a abrir mão de suas características humanas e aproximar-se
cada vez mais da vida instintiva, do seu aspecto animal. Até mesmo seu aspecto
sombrio. Sem as características de humanidade, sua filha se torna uma ameaça.
Há uma mudança sutil em seus olhos (de castanhos dourados com pupilas tornam-se
negros e sem pupilas), o urso perde características de face humana, tornando-se
mais animalesco e agressivo. Elinor ameaça atacar a filha e apenas quando
escuta o grito de “mãe” é que consegue recuperar sua consciência humana. Ambas
param para ouvir a floresta. Ambas conseguem ouvir os assobios das luzes do
destino e conseguem segui-las. Ambas estão em sintonia consigo mesmas, uma com
a outra e com suas intuições. As
duas se permitem adentrar uma no mundo da outra, quando abaixam as defesas, as
vozes aparecem (os assobios das luzes) e elas são capazes de reencontrar seu
destino. A
energia pulsante, viva e extremamente eficiente de Merida agora tem um foco e
função. Se antes ela corria a esmo pela floresta explorando e atirando, agora
ela sabe se defender e defender a mãe. Ela tem compreensão de que são uma em
essência, ao mesmo tempo que são unas em si mesmas. Quando uma mulher é una em
si mesma, quer dizer que ela sabe quem é, ela tem consciência de sua existência
e de suas responsabilidades. Ela se conhece e é capaz de reconhecer outras
mulheres na mesma condição. Merida e Elinor fizeram caminhos opostos, mas
paralelos. Elinor precisou regredir para entender a si mesma e a filha, e
Merida precisou evoluir e amadurecer para entender a si mesma e sua mãe. Ambas
chegaram no mesmo lugar: o reconhecimento de si mesmas.
Mor’du aparece, tirando o foco da dupla. Mais uma vez ele ameaça matar
Merida e, com isso, atiça a fúria da mãe-urso. Não existe mais rainha ou ursa,
apenas o arquétipo da grande mãe em seu aspecto mais divino e ao mesmo tempo
mais cruel: a mãe desvelada no cuidado dos filhos, mas que é capaz de matar em
prol da segurança dos mesmos. Nesse duelo entre os ursos, Mor’du derrotado.
Ao amanhecer, Elinor não retorna a sua forma de mulher, mesmo estando
coberta pela tapeçaria remendada. Merida entra em pânico e chora muito, pedindo
desculpas a mãe por tudo e se responsabilizando pelos acontecimentos dos
últimos dois dias. Ao responsabilizar-se por suas escolhas e por seu destino,
Elinor torna-se humana novamente, assim como os irmãos da princesa. Merida
cresceu e amadureceu, reconheceu seus erros e escolhas equivocadas,
responsabilizou-se pelos acontecimentos, tornou-se mulher. E tudo isso é o que
faz a grande mágica acontecer, trazendo sua mãe de volta. A harmonia volta a
reinar absoluta, mãe e filha fazem uma tapeçaria onde Elinor é
representada como urso e Merida está abraçada a ela. Esse foi o momento do
reencontro, de escuta da alma e do coração, o momento de sintonia. É o momento
da completude do encontro de ambas com o Si mesmo, ou seja, é assim completado
o processo de individuação de ambas.
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Dicionário
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MONTEIRO,
Dulcinéa, Jung e o Cinema, Revista Atualizada. 2012.
[1] Ivonete de Araújo Vizeu Gil, Estudante de Psicologia. Este artigo
foi apresentado ao Curso de Formação profissional em Arteterapia, no Centro de
Arteterapia Danielle Bittencourt/RJ (Cursando).
[2] Danielle Bittencourt,
Mestre em Criatividade e Inovação-UFP; Pós-Graduada em Psicologia
Junguiana-IBMR/RJ; Psicóloga - UVA/RJ; Arteterapeuta-Clínica - Pomar,RJ; Terapeuta Familiar
Sistêmica-Núcleo-Pesquisas/RJ; Graduada em Artes Plásticas-UDESC/SC; Coach
facilitadora criativa do mestrado online
em Criatividade e Inovação pelo IACAT/Espanha. Coordenadora Geral e
Acadêmica da formação profissional em Arteterapia do Centro de Arteterapia
Danielle Bittencourt/RJ.
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