A IMPORTÂNCIA DO FILME NA
ARTETERAPIA
Elenice Facundes
Monteiro[1]
Danielle Bittencourt[2]
Resumo
O presente trabalho procura mostrar a importância
do Filme como recurso
arteterapêutico, considerando as imagens, a sonoridade e o enredo como
instrumentos privilegiados para estimular os processos criativos e a
transformação do indivíduo. Apresenta também como ilustração, um relato de caso
que comprova a ação criadora e transformadora levando o participante ao seu
processo de Individuação através da
Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung. Para coleta de informações foi
realizado um estágio no IRD, Instituto de Radio proteção e Dosimetria, com 40
encontros, oito participantes, idades entre 45 e 65 anos; dividido em três
etapas: Identificação da Demanda de Grupo, Amplificação e Fechamento. Será
focada aqui a fase de Amplificação onde foi trabalhado o filme À Procura da
Felicidade.
Palavras-chave: Cinema;
arteterapia; trajetória do herói; transformação.
Abstract
This paper seeks to show the importance of film as an art-therapeutic
feature, considering the images, the sound and the plot as privileged
instruments to stimulate the creative processes and the transformation of the
individual. Also presents as an illustration, a case that proves all this
creative and transformative action, taking the participant (GE) to the
individuation process of Analytical Psychology by Carl Gustav Jung. Information
gathering was held on a stage IRD, Institute of Radio Protection and Dosimetry,
during 40 meetings, with eight participants aged between 45 and 65 years;
divided into three steps: Identification of the Group Demand, Amplification and
Closing. It will be focused
here, the phase of Amplification in which it was proposed a work on the film The Pursuit of Happynnes.
Keywords: Movies; art therapy;
trajectory of the hero; transformation.
Resumen
Questo documento cerca di
mostrare l'importanza del cinema come arteterapêutico caratteristica,
considerando le immagini, il suono e la trama privilegiati per stimolare i
processi creativi e la trasformazione dei singoli strumenti. Presenta anche
come un esempio, un caso che dimostra tutta questa azione creatrice e
trasformatrice prendendo il partecipante (GE) per il loro processo di
individuazione di Psicologia Analitica di Carl Gustav Jung. La raccolta di
informazioni si è tenuta una IRD palcoscenico, Istituto di Protezione delle
Radio e dosimetria, 40 incontri, con otto partecipanti di età compresa tra 45 e
65 anni; diviso in tre fasi: Identificazione della domanda Gruppo,
Amplificazione e chiusura. Discusso qui la fase in cui l'amplificazione stava
lavorando al film La ricerca della felicità.
Parole chiave: Cinema,
arte terapia, traiettoria della trasformazione dell'eroe.
Introdução
O objetivo principal deste artigo é fornecer um
entendimento a respeito da importância do filme na arteterapia. Para tal, a
abordagem junguiana será enfatizada como objeto de estudo para compreensão dos
fatores envolvidos na presente questão.
A pesquisa tem relevância teórica baseada no fato
de que a abordagem da arteterapia tem sido objeto de estudo e de intervenção em
inúmeras situações atuais, além de fornecer subsídios para que profissionais da
saúde e da área social tenham sucesso em suas interferências e possam atingir
os resultados esperados.
É sabido que os filmes propiciam imagens que levam
a reflexões e insights, apresentam
conflitos e soluções, ativam a imaginação e favorecem a criatividade e o
autoconhecimento. Dentro da abordagem Junguiana, são poderosas ferramentas
arquetípicas, atuando no processo de transformação e equilíbrio.
Ao assistirmos um filme, nossa imaginação é ativada
através das imagens, da sonoridade, do enredo... Essas imagens vão se unindo
umas às outras como um fio condutor de significados pessoais a partir da
expressão de sentimentos relacionados aos personagens apresentados.
Além de ativar a imaginação e estimular a
criatividade, os filmes ajudam o arteterapeuta a identificar a parte do enredo
que mais tocou emocionalmente o seu cliente, e assim, ajudá-lo a fazer
identificações com sua própria vida que o levarão a transformações muito
significativas.
A origem do
cinema
O cinema nasceu no final do século XIX, em 1895, na
França pelos irmãos Loius e Auguste Lumière.
Esta criação revolucionária no mundo das artes, teve seus primeiros filmes exibidos para o público de trinta e
três pessoas no Salão Egípcio do Grand Café de Paris.
O programa era formado por filmes curtos, entre
eles, aquele que é considerado o primeiro filme do cinema- A Saída dos
Operários da Fábrica. Em seguida o famoso A
Chegada do Trem na Estação de Ciotat que segundo a lenda, assustou os
telespectadores. A imagem do trem avançando na direção da sala fez com que
muitos se escondessem em baixo dos bancos para se protegerem.
Assim, nasce a arte do cinema que algumas pessoas
já definiram como uma viagem ao mundo da fantasia e da imaginação, outros
descreveram como algo hipnótico; e outros, talvez, mais sensíveis, como mágica.
Cinema e Jung nasceram no fim do sec. XIX, portanto
cresceram juntos. Talvez se Jung tivesse nascido um pouco mais tarde, pudesse
ter recorrido mais plenamente ao cinema como forma de explicitar a dinâmica
psíquica a realidade dos arquétipos e dos complexos.
A arte
cinematográfica com suas possibilidades quase ilimitadas de dialogar com
espectadores, não ficou restrita ao campo de contar histórias ou de ser apenas
um elemento de entretenimento para o público. Como tela de projeção da nossa
realidade, o cinema mesclou toda a beleza da arte com os arquétipos, os
simbolismos da vida surreal, a complexidade das relações entre as pessoas e com
os meandros da emoção da alma humana. (BRANDÃO & BRANDÃO, 2013, p.188).
O cinema e a arteterapia
O cinema é uma manifestação estética a qual muitos
consideram de a 7ª arte. Tem sido um espaço privilegiado para a
maior compreensão de si mesmo. Segundo Monteiro (2013), a respeito da teoria
junguiana, a projeção é o primeiro passo do autoconhecimento; vemos com clareza
o que se passa fora, com os outros e, após este processo de percepção e
compreensão do acontecer fora, torna-se muito mais fácil voltar a visão para
dentro. Um filme permite com seu rico engajamento de imagens unir nossas
funções de pensamento, sensação, intuição e sentimento. Somos tomados por suas imagens
e não há como não sermos tocados por elas. O autor diz ainda que a assimilação
dos conteúdos do inconsciente “alarga não somente as fronteiras do campo da
consciência como também o significado do eu, principalmente quando este se
defronta com o inconsciente sem atitude crítica, tal como acontece na maioria
dos casos.” (MONTEIRO, 2013, p. 197). Constatamos que na atividade clínica,
também os filmes se colocam como recursos técnicos de grande valor; eles nos
falam à alma, vão ao recôndito de nós mesmos. Portanto, são eficazes recursos
de ampliação da consciência.
A Arteterapia utiliza recursos artísticos com
finalidades terapêuticas sem se preocupar como desempenho estético. Utiliza
vários materiais (barro, tintas, lápis de cor, sucatas,...) e várias técnicas
como desenho, pintura, colagem, modelagem, tapeçaria, música, dança, teatro,
cinema como canal de expressão que vai facilitar o processo de Individuação.
A Arteterapia encanta pelo fato de trazer ao
indivíduo respostas muito mais rápidas se comparada ao contexto terapêutico
tradicional. O indivíduo não necessariamente precisa expressar verbalmente suas
emoções, pois esses sentimentos serão expostos por meio aos estímulos produzidos
pelos materiais utilizados; possibilitando, assim, um retorno às vivências
anteriores, acessos aos conflitos infantis, traumas, enfim, um confronto com a
própria sombra. Algo que leva tempo para se alcançar na terapia tradicional.
Uma participante do estágio, denominada G.E, fez referência à terapia dizendo
nunca ter tido tantas descobertas sobre si e avanços com relação ao seu
passado, como tem agora através das sessões de Arteterapia.
Segundo Monteiro (2013), a imaginação
é uma das chaves mais importante para a compreensão de si mesmo. A imaginação
possibilita uma concentração de conteúdos do inconsciente, que só podem ser
acessados através de símbolos ou imagens arquetípicas. Esta realidade
arquetípica ganha maior visibilidade através do Cinema.
Através da sua sonoridade, imagens, dinamismo e
enredo, os Filmes nos levam às
profundezas de nossa alma, e sem percebermos, nos afetam e nos transformam. Monteiro
(2013) citando Jung, sobre o livro O
problema espiritual do homem moderno, diz que o “cinema, como história de
detetive, permite-nos experimentar, sem perigo para nós mesmos, todas as
excitações, paixões e fantasias”. (MONTEIRO, 2013, p. 195).
A função terapêutica dos filmes
O filme, assim como todas as formas de expressão
artística, tem como instrumento de trabalho o ser humano e a expressão de suas
emoções. O filme vai muito além de um entretenimento, leva-nos a identificações
profundas com os personagens e os enredos, auxiliando-nos a nos conectar com um
passado distante e com forças primitivas e poderosas da nossa psique.
A vivência através dos filmes e de suas metáforas
exerce um poder não verbal, potencializando as emoções, oferecendo esperança e
encorajamento através da identificação com cenas, personagens, e assim,
possibilita a busca da superação, identifica e reforça forças perdidas, e muito
mais... Muitos filmes abordam mitos e nos levam a fazer leituras e releituras; catarses de conteúdos guardados no mais
profundo do nosso ser. Silveira (1997) diz que Jung falava sobre o fato de que
“os mitos são principalmente fenômenos psíquicos que revelam a própria natureza
da psique.” (SILVEIRA, 1997, p.144).
Segundo Berg-Cross et
al. (1990)
o impacto da cinematerapia é claro: melhora a comunicação entre cliente e terapeuta, proporciona
uma compreensão mais profunda da personalidade,
auxilia na criação de metáforas terapêuticas significativas. As metáforas, ao serem repetidas com
frequência e aplicadas à vida do paciente, despertam mudança de comportamento,
autocrítica e aprofundamento do autoconhecimento.
Hesley & Hesley (2001) acrescentaram
outros potenciais dessa intervenção psicoterápica, falando que a capacidade do paciente praticar fora da terapia o que
foi aprendido nela, intensificaria os efeitos da terapia no ambiente doméstico
do mesmo, adiantaria o progresso terapêutico ao permitir melhor evolução e
modificação do tratamento.
Os autores, apesar de usarem o termo videowork,
fizeram uma descrição pormenorizada do que até o momento vinha sendo chamado de
cinematerapia. As principais características apontadas por esses autores
são que os filmes são indicados para
reforçar uma idéia introduzida na terapia e principalmente para estimular a
busca da autocrítica pelo paciente onde o terapeuta deveria pedir ao paciente que ele nomeasse alguns
filmes pessoalmente mais significativos, valorizaria os gêneros de filmes preferidos, além dos personagens que
mais o impactaram. Desse modo, não haveria imposição das preferências estéticas
do terapeuta. Daria sugestão de algumas películas caso o paciente tivesse
poucas referências fílmicas, o processo de mudança que ocorre com os
personagens e entre eles seria o ponto mais importante a ser analisado em um
filme, o paciente precisaria prestar atenção em como os personagens aparecem no
começo do filme, como eles reagem diante dos conflitos e como estão diferentes
no final da estória.
Alguns filmes abordam mitos e nos
levam a fazer leituras e releituras; Catarses
de conteúdos guardados no mais profundo do nosso ser. “Os mitos são
principalmente fenômenos psíquicos que revelam a própria natureza da psique”.
(SILVEIRA, 1997, p.114).
A jornada do herói mitológico no cinema
Segundo Joseph Campbell, autor do livro O Herói de Mil Faces, as histórias
estão ligadas por um fio condutor comum. Paralelamente às teorias de Jung sobre
os arquétipos e o inconsciente coletivo, Campbell (1995) afirma que desde os
mitos antigos, passando por fábulas e contos de fadas, até os recentes best-selers do cinema, a humanidade vem
contando e recontando sempre as mesmas histórias. A esta história oculta dentro
de outras histórias, ele chama de A Jornada do Herói Mitológico.
Partindo dos conceitos de Campbell, Chistopher
Vogler (1997), em seu livro A Jornada do
Escritor fez um roteiro mais adequado às narrativas contemporâneas (cinema,
televisão, etc).
Figura 1
Fonte: Campbell, V. A jornada do escritor.
A jornada do
herói em À procura da felicidade
Este filme é inspirado em fatos reais e se passa no
ano de 1981 em San Francisco. O filme mostra a incansável luta deste homem,
Chris Gardner, interpretado por Will Smith, passando por altos e baixos.
Há momentos em que tudo parece impossível de se resolver. Mas com sua
força e determinação vence todos os obstáculos, tornando-se assim, um
verdadeiro Herói Humano. Seu maior
incentivo é o filho de 5 anos, que não abre mão, após ser abandonado pela
esposa. Supera suas dificuldades com muita luta, dia-a-dia, juntamente com seu
filho.
Seguindo o roteiro de Vogler (1997), a trajetória
do herói Chris Gardner seria a seguinte:
Tabela 1 – Cenas de À procura da felicidade
Tempo
|
Etapas da estrutura
do conto
|
Cenas do filme
|
1- 9 min
|
MUNDO COMUM
|
O personagem principal, Chris
Gardner, está em seu apartamento com sua esposa e seu filho em sua rotina
diária, com seus problemas financeiros, discutindo com a esposa;
O Chris deixando o filho na
escola;
Tentando vender seus scanners
em hospitais e consultórios;
A esposa em seu ambiente de
trabalho também dando duro.
|
9min 45s
|
CHAMADO Á AVENTURA
|
Quando ao passar na rua vê um
homem bem vestido saindo de um carrão vermelho em frente a Corretora da Bolsa
de Valores e pergunta: “O que você faz e como faz pra ter tudo isso?” Precisa
fazer faculdade pra isso?
O homem responde: “Só precisa
ser bom com números e com pessoas”.
Ele olha ao seu redor e percebe
que todos estão felizes então se questiona: “Porque não posso ser como eles?
|
46min
|
RECUSA DO CHAMADO
|
Quando ele tem medo de assumir
o programa por não ter salário.
Seria um risco. De vinte inscritos, apenas um ficava.
|
20min
24min
1h 29min
1h 48min
|
ENCONTRO COM O MENTOR
|
Quando Chris Gardner procura o Responsável pelo programa de
Corretagem, para entregar a ficha de inscrição. Este será o seu mentor.
Quando pega uma carona com o responsável
pelo programa e mostra que é inteligente quando conseguiu fazer um encaixe em
um brinquedo que ele tinha na mão dizendo que seria impossível alguém
conseguir. Causou excelente impressão;
Após a entrevista, quando ele
quer desistir, o Corretor chefe aconselha-o a ficar, retruca e diz que até à
noite a vaga dele estaria garantida;
Aconselha-o a deixar o cliente
vencer no jogo;
No banheiro, parabeniza-o pelo excelente
trabalho e fala sobre reconhecimento;
Está junto na hora em que o
herói recebe a recompensa.
|
31min
32min
35min
49min
|
TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR
|
Ele transita o tempo todo entre
dois mundos: mundo comum e mundo oculto;
Quando Chris aceita o programa
de corretores e começa o estágio;
A esposa sai de casa, eles
discutem e ele briga para ficar com o filho;
Rompimento definitivo do
casamento: a esposa vai embora para Nova Iorque e ele assume o filho sozinho.
|
25min
39min
1h 23min
1h
1h 41min
1h 17min
1h 42min
28h30min
1h 16min
1h13min
1h 37min
|
TESTES, ALIADOS E INIMIGOS
|
Testes:
No taxi com o chefe do
programa, prova para ele que é inteligente conseguindo decifrar o enigma de
um brinquedo que todo mundo acha impossível conseguir.
Foi preso por não pagar multas
de trânsito;
Entrega o apartamento e vai para
um hotel;
É despejado do hotel;
Encontro com o investidor que
não deu certo;
Foi atropelado;
Enfrenta filas de abrigos;
Briga por sobrevivência na fila
do abrigo e na fila do ônibus;
Dorme uma noite no banheiro do
metrô e outra no próprio metrô;
Vende sangue para comprar
fusível para consertar o scanner
Inimigos: - motorista de taxi;
- as multas de trânsito;
- a esposa que não acredita nele;
- o amigo que lhe deve e dá as costas pra ele;
- o governo que confisca todo seu dinheiro pelos impostos atrasados;
- a moça que rouba o scanner;
- o velho maluco que fica com o scanner caído do metrô;
- o instrutor do estágio que pede tudo pra ele (café, estacionar
carro,...)
Aliados: - filho;
- o chefe do programa;
- o investidor que o convida para um jogo e lá faz vários
contatos
- Deus (a fé)
|
42min
|
APROXIMAÇÃO DA CAVERNA OCULTA
|
De posse de toda coragem e autoconfiança,
mesmo sujo de tinta e mal vestido, Chris vai para a entrevista com os
diretores da bolsa de valores. E consegue causar boa impressão.
|
1h 27min
|
PROVAÇÃO SUPREMA
|
Quando tem que dormir no
banheiro do metrô com o filho.
Sente-se no fundo do poço.
Chora amargurado.
|
1h 50min
|
RECOMPENSA
|
Chris Gardner é chamado na sala do diretor e consegue o
emprego definitivo. É contratado como corretor de ações.
Conquista sua dignidade, logo a
FELICIDADE.
|
1h 46min
|
CAMINHO DE VOLTA
|
Essa cena passa-se na praia com
o filho quando Chris tem um encontro com ele mesmo. Faz uma reflexão longe de
tudo e de todos. Fala sobre o desapontamento com ele mesmo.
|
1h 47min
|
RESSURREIÇÃO
|
Aqui o herói não demonstra ter
nenhum poder sobrenatural, mas sim o poder de superação que o ser humano é
capaz de ter quando acredita nele mesmo e não desiste de seu sonho.
O Resgate da auto-confiança:
“Quando eu era criança e tirava 10 na prova de História, a única certeza que
eu tinha era que EU NUNCA SERIA UM FRACASSADO”
|
1h 51min
|
RETORNO COM O ELIXIR
|
A FELICIDADE
|
Do estágio
O Estágio, pré-requisito do curso de Formação
Profissional em Artetarapia, foi dividido em três etapas: Identificação da
Demanda de Grupo, Amplificação e Fechamento.
Na fase Amplificação foi trabalhado o filme À Procura da Felicidade com o Will Smith
abordando o tema Superação tendo como base as questões de autoestima, perdas e capacidade de resiliência do grupo em questão,
observadas e diagnosticadas na 1ª etapa.
Aconteceram cerca de 20 sessões nessa fase de
Amplificação, tempo suficiente para elaborarem e transformarem várias questões
vindas do inconsciente.
Assistiram ao filme em duas etapas. Falaram e
escreveram sobre suas identificações com os personagens. Para um melhor
entendimento sobre o filme, trabalharam as etapas da Estrutura do Conto, segundo o roteiro de Christopher Vogler, a
partir de Joseph Campbell. Houve aqui uma identificação muito grande com a Trajetória de Herói. Todos quiseram
fazer a correlação com suas próprias vidas.
Compreendido o filme e feitas as suas
identificações, decidiram fazer para o Fechamento do Estágio, um Teatro de Fantoches, onde puderam
confeccionar com papel marche, todos os boneco; pintaram os rostos,
confeccionaram as roupas, construíram um painel, fizeram o roteiro para a
apresentação, ensaiaram, elegeram uma narradora, e enfim, apresentaram.
Durante todo esse processo foi observado o quanto
os participantes ressignificaram conteúdos como angústias, raivas, medos,
culpas, frustrações, sonhos, desejos, que vieram à tona.
Relato de caso G.E
Para ilustrar a utilização do
filme como autoanálise de uma participante, foi de suma importância destacar o
caso de G.E.
A paciente relatou ter muitas cenas de
identificação com sua infância e sua própria trajetória de vida. Para começar,
disse que as cenas do filme em que o casal discute a fez lembrar-se de seus
pais, que brigavam muito por conta do alcoolismo do pai. Segundo relato da
própria paciente:
Não tenho muita paciência pra ver filme não... Só vejo filme se tiver
algo que me prenda. Não vejo filme por ver. Mas esse filme me tocou porque é
sobre a busca da Felicidade. A princípio, parecia ser uma história boba, de um
pai com um filho, relacionamento em atrito, pai desempregado... E eu comecei a
ver e sentir essa realidade, quando eu comecei a perceber a desunião da família.
Porque eu convivi até os 13 anos com um pai alcoólatra, e uma mãe que
representava muito essa esposa do filme... Minha mãe trabalhava, corria atrás,
batalhadora... meu pai também trabalhava, ganhava dinheiro, mas bebia tudo... E
eu muito cedo, em virtude dos problemas, tive que sair de casa...Tinha uma tia
freira, que me amava muito e que me tirou da convivência dos meus pais e me
levou pro interior de Santa Catarina. Ela foi a minha mentora... Ela fez tudo
por mim, dentro das suas limitações como freira, como alguém que não tinha
muitos conhecimentos, mas ela tinha muita coragem... E tudo o que eu sou hoje, eu
sou graças a ela... Outra cena do filme que me marcou foi quando eles não
tinham onde dormir, lembrei-me de uma vez, eu e minha tia, em São Paulo, sem
dinheiro pra pagar hotel e nenhum lugar pra dormir... Eu só chorava de medo...
Lembramos de uma amiga do Acre que morava perto da Av: Paulista, onde
estávamos, e fomos pedir abrigo... Minha tia sempre com sua delicadeza só me
dizia assim: “Minha filha, você não desista, você tem que ser forte. (relato
pessoal da paciente G.E).
Figura 2 – Relato de G.E
sobre o filme À procura da felicidade
Sobre a cliente
No
inicio, achava-se incapaz de tudo: de pintar, de desenhar, de dançar, de
cantar, de sentar no chão... E colocava toda a culpa de suas dificuldades na
obesidade, que a acompanha desde a infância. Sua maior característica é a
auto-estima muito baixa. Segundo ela, seu pai roubou toda sua beleza.
Figura 3 – Fotos de G.E quando menina.
Sua concentração era precária, muito descuidada com
o seu material, deixava cair tudo de suas mãos. Achava tudo que ela fazia feio;
o do outro era sempre mais bonito. Dizia não levar jeito pra artes desde a
infância.
Mas foi a participante que mais se desenvolveu,
mais se transformou, principalmente quando entrou na fase de Amplificação.
Conseguiu acessar conteúdos seriíssimos de sua
infância, sendo uma verdadeira Catarse para
ela. Conseguiu falar do afastamento dela da família e de toda sua Trajetória de Herói.
Durante todo o seu processo ela expurgou muita
raiva guardada durante anos. A cada dia mostrava-se mais feliz e sentia-se
aceita pelo grupo. Reconhecendo
suas limitações e frustrações, passou a ter mais paciência com ela mesma, e
assim caminhou bem.
No Fechamento do Estágio, o grupo decidiu
representar o filme em forma de Teatro de
Fantoches. E teriam que escolher seus personagens. A GE escolheu ser a Linda. E o processo de vivência do
personagem se deu desde a confecção do fantoche até a sua representação,
propriamente dita. Com esse personagem ela pode reviver o papel de sua mãe,
projetando assim, toda a raiva do pai, guardada lá no fundo do seu íntimo.
No ultimo dia de Estágio, conseguiu contar para
todo o grupo, do abuso sexual pelo próprio pai, alcoólatra, inclusive depois de
adulta.
Contou que aos 27 anos, voltou ao Rio, para morar e
cuidar do pai, pois todos tinham abandonado. Ninguém aguentava mais. Ele vivia
sendo internado. E aos 32 anos, o pai, bêbado, tentou abusar dela novamente.
Foi quando, num ímpeto de defesa, ela deu-lhe uma tapa e ele caiu. Internou-o
novamente. Desde este dia, ele foi ficando triste, com muito remorso e só saiu
morto do hospital. Antes de ele morrer, ela conseguiu perdoá-lo para que ele
partisse em paz. Diz que amava muito o pai, mas que ele a decepcionou muito.
Diante disso, pudemos observar que
a participante faz uma viagem em sua própria trajetória, através das vivências
com o filme, passando por todas as fases que um herói pode percorrer.
Seguindo o roteiro de Vogler (1997),
a trajetória do herói de G.E seria a seguinte:
Tabela 2 – Trajetória do herói de G.E.
MUNDO COMUM
|
Conhecemos o
herói em seu mundo comum. No Acre morando com seus pais. Família em atrito.
Alcoolismo do pai.
|
CHAMADO À
AVENTURA
|
Quando é
levada para o interior de Santa Catarina para morar com uma tia freira
|
RECUSA DO
CHAMADO
|
Chora muito
com saudades de sua mãe e seu irmão, de sua própria casa. Tem vontade de
voltar, mas pensa no inferno que era conviver com um pai alcoólatra.
|
ENCONTRO COM O METOR
|
Em Santa Catarina,
com sua tia freira, que a
orientou em tudo na vida.
|
TRAVESSIA DO PRIMEIRO
LIMIAR
|
Morando em um pensionato
em Santa Catarina.
|
TESTES, ALIADOS E
INIMIGOS
|
Com dois anos, que morava
no pensionato, com sua tia sempre por perto a protegendo, veio a notícia da
transferência de sua tia para outra Congregação. Ela precisa ser muito forte!
Agora, mais que nunca!
|
APROXIMAÇÃO DA CAVERNA
OCULTA
|
De posse de toda
auto-confiança, volta para o Rio para “enfrentar seu inimigo”, para
morar e cuidar de seu pai.
|
PROVAÇÃO SUPREMA
|
Quando enfrenta seu pai,
seus próprios monstros internos e dá-lhe uma bofetada até derrubá-lo. E
derrotá-lo após um assédio.
|
RECOMPENSA
|
Conquista enfim sua liberdade, auto-confiança e
dignidade.
|
CAMINHO DE VOLTA
|
Retoma as rédeas da
própria vida. Assume-se vitoriosa.
|
RESSURREIÇÃO
|
Sente-se confiante em si
mesma pra seguir seu caminho.
|
RETORNO COM O ELIXIR
|
Liberdade e Confiança em
si mesma.
|
Segundo
Silveira (1997), Jung afirma “não basta ao primitivo ver o nascer e o pôr- do-
sol; essa observação externa será ao mesmo tempo um acontecimento psíquico: o
sol, no seu curso representará o destino de um deus ou herói que, em última
análise, habita a alma do homem.” (SILVEIRA, 1997, p. 114).
No
entanto, a autora diz, ainda que
(...) a eficácia do feito heróico
tem breve duração. O sofrimento do herói renovam-se incessantemente,pois se de
uma parte o atrai a conquista de níveis de consciência mais altos, de outra
parte também o fascina a volta ao inconsciente, que tem as seduções do abraço
materno. Ele sofre, dividido por forças opostas. A luta pela vitória da consciência é o eterno combate de todo
homem.” (SILVEIRA, 1997, p.115).
Conclusão
Os filmes tocam no mais intimo das pessoas, assim como a
música, o teatro e todas as formas
de expressão da arte. A Arteterapia vem ganhando espaço e credibilidade, pois
atua de forma concreta transformando emoções.
Os efeitos desse processo arteterapêutico podem ser
comprovados com o exemplo que aqui relatei, da participante GE. Os filmes
tocam profundamente, iluminando,
potencializando, arejando e até curando emoções em desequilíbio.
Em momentos em que parecemos perder a nossa fé, a nossa
energia psíquica, ao assistirmos um filme com o olhar terapêutico, poderemos
resgatar a nossa força, o nosso herói que estava adormecido. Até termos a total
consciência de que mesmo o herói dotado de toda a sua valentia, em outras versões,
ele é só uma pessoa comum e sem esquercermos jamais que somos apenas seres
humanos em contínua transformação.
Referências
BERG-CROSS, L.; JENNINGS, P, BARUCH, R. Cinematherapy: theory and application. Psychotherapy in Private Practice, n. 1, v. 8, pp. 135-157, 1990.
BRANDÃO, C. A., BRANDÃO, M.
O cinema e o inconsciente. In: MONTEIRO, D. M. R. Jung e o Cinema: psicologia anlítica através de filmes. Curitiba:
Juruá, 2013.
CAMPBELL, J. O herói
de mil faces. São Paulo: Pensamento,1995.
HESLEY J. W, HESLEY, J. D. Rent
two films let´s talk in the morning: using popular films in psychotherapy.
2 ed. Nova York: J.Wiley, 2001.
MONTEIRO, D. M. R. Jung e o Cinema: psicologia anlítica
através de filmes. Curitiba: Juruá, 2013.
SILVEIRA, N. Jung:
vida e obra. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1997.
VOGLER, C. A Jornada
do Escritor. Rio de Janeiro, Ampersand Editora, 1997.
[1] Elenice Facundes
Monteiro, Licenciada em Letras- Língua Portuguesa e Italiana com suas
respectivas literaturas-UFC/CE; Microempresária Individual do Atelier Entre
Amigas/RJ- Professora de Pintura Country e Decorativa; Formação
profissional em Arteterapia-
Centro de Arteterapia Danielle Bittencourt/RJ (Cursando).
[2] Danielle Bittencourt,
Mestre em Criatividade e Inovação-UFP; Pós-Graduada em Psicologia Junguiana-IBMR/RJ;
Psicóloga - UVA/RJ; Arteterapeuta-Clínica - Pomar,RJ; Terapeuta Familiar Sistêmica-Núcleo-Pesquisas/RJ; Graduada
em Artes Plásticas-UDESC/SC; Coach facilitadora criativa do mestrado
online em Criatividade e Inovação
pelo IACAT/Espanha. Coordenadora Geral e Acadêmica da formação profissional em
Arteterapia do Centro de Arteterapia Danielle Bittencourt/RJ.
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